Pastagens Sustentáveis – Um sonho possível. Artigo de Jurandir Melado

Pegando carona no famosíssimo discurso do Nobel da Paz Martin Luther King, em que disse: “I have a dream”, se referindo ao sonho de ver, um dia, os direitos da minoria negra serem reconhecidos e respeitados pela sociedade americana, digo também: eu tenho um sonho.

O sonho de ver por onde eu passar apenas pastagens magníficas, conservadas, diversificadas, arborizadas e produtivas, onde animais se alimentam, se protegem e, por que não, se divertem, em um ambiente quase edênico, como disse o meu querido irmão Judismar, se referindo às cabriolices da vaca Marruda na Pastagem Ecológica da Fazenda Ecológica, em sua contribuição para o meu último livro.

Cursar Agronomia na UFV – Viçosa – MG, de 1968 a 1971, foi uma etapa decisiva do meu sonho. A cada semestre eu me apaixonava por alguma matéria, sempre espelhado em algum professor admirável. Já na “diversificação” em Zootecnia, fui definitivamente “fisgado”, pela forragicultura, pelo exemplo do professor Rasmo Garcia. Ainda na UFV, tomei conhecimento do Pastoreio Racional Voisin, através de um texto quase clandestino, que falava resumidamente das 4 leis do Pastoreio Racional de André Voisin, e relatava exemplos de sucesso na sua aplicação, entre elas a Fazenda Conquista, do pioneiro Nilo Romero. Assim nasceu o sonho de conhecer melhor este sistema revolucionário e adotá-lo como linha mestra para o meu trabalho.

A aquisição, em 1987, de uma área de cerrado nativo localizada na baixada cuiabana em Mato Grosso, logo batizada de Fazenda Ecológica Santa Fé do Moquém, permitiu a mim e aos meus irmãos Judismar Clemente Melado e Cláudio Mellado, iniciar o sonho da aplicação do Pastoreio Racional Voisin com total respeito pela Natureza. O resultado foi a Pastagem Ecológica (Sistema Voisin Silvipastoril). O próximo desafio foi a formalização e divulgação da Pastagem Ecológica, que acabou se tornando sinônimo de pastagem sustentável, sendo tema de inúmeros artigos, livros, videocurso, reportagens em jornais e revistas e programas na TV.

A Pastagem Ecológica está se tornando uma política pública, fazendo parte das estratégias de importantes programas institucionais e governamentais voltados para o desenvolvimento sustentável e sendo aplicada por produtores particulares em diversas partes do país. A Fazenda Ecológica se tornou a primeira Unidade Demonstrativa da Pastagem Ecológica e com ela veio a certeza de que uma pastagem sustentável, produtiva e em equilíbrio com a natureza era um sonho não só possível como também alcançável sem grandes dificuldades.

O maior problema da pecuária é que no manejo convencional, ainda predominante, a pastagem não é sustentável. O pastoreio contínuo, no qual os animais ficam na mesma parcela de pastagem um período longo e indefinido, é o grande vilão. Este sistema de manejo (ou ausência de manejo), não permite que a pastagem tenha um período adequado de descanso, necessário à recomposição dos estoques de substâncias de reservas. Isto provoca a exaustão da pastagem e a redução progressiva do porte das forrageiras, levando à degradação cujo limite requer uma providência drástica, que é a reforma completa da pastagem. Fecha-se assim um ciclo pernóstico de formação – degradação – reforma das pastagens, que acredito ser o principal fator de descapitalização dos produtores pecuaristas.

A degradação das pastagens é um problema generalizado que está rapidamente se tornando um problema em escala mundial. Em alguns locais, principalmente na África e na Ásia, mas também em diversas regiões do Brasil, México e até dos Estados Unidos, o problema é tão grave que a consequência é a desertificação que avança de forma alarmante sobre as áreas de pastagens.

Como viajo muito entre Guarapari – ES – onde estou vivendo atualmente – e Viçosa – MG, eu tinha grande interesse em implantar unidades demonstrativas de Manejo Sustentável de Pastagens ao longo deste percurso. Isto já está acontecendo, com projetos em Guarapari – ES, Itaperuna – RJ e Viçosa – MG, todos já abertos à visitação.

A recuperação racional de pastagens degradadas é mais fácil do que se pode imaginar. Na realidade, as pastagens não se degradam de forma homogênea, sendo mais provável que a maior parte da pastagem possa ser recuperada apenas com um manejo adequado, que dê às forrageiras condições de se recuperarem naturalmente. Porém, se não houver divisões na pastagem, como tratar de forma diferente as partes em diferentes estágios de degradação?

A reforma racional de pastagens começa pela sua adequada divisão, de forma a permitir o Pastoreio Racional Voisin. A maior parte da pastagem é recuperada apenas com o manejo adequado e alguma intervenção leve, sendo reservado apenas para as áreas com degradação mais severa, um tratamento mais intensivo, que em casos extremos poderá ser até a reforma completa, com mecanização do solo e novo plantio das forrageiras. O custo recai quase totalmente sobre a construção das cercas (elétricas, de baixo custo).

Um grande sonho não se realiza com apenas uma pessoa. Felizmente o sonho das pastagens sustentáveis já é compartilhado por muitos.

A começar por André Voisin, formalizador do Sistema de Pastoreio Racional, que dedicou boa parte de sua vida para provar ao mundo que o sonho da pastagem sustentável e produtiva era factível. No Brasil o Eng. Agr. Nilo Ferreira Romero foi pioneiro, quando iniciou em 1963, implantação do seu “sonho da Conquista”, o primeiro “Projeto Voisin” do país. Outros sonhadores são Humberto Sorio Jr., André Sorio, José Carlos Lyra Fleury e Ana Primavesi do Brasil; Arno Klocker Hornig, do Chile; Edgardo José Vanoni, da Argentina; Guillermo Lebrón do Paraguai; Pedro Pablo Del Pozo Rodrigues de Cuba; Bill Murphy e Allan Savory dos Estados Unidos, todos eles autores de publicações sobre o tema. Inúmeras outras pessoas influentes têm apoiado no âmbito de suas instituições e programas o sonho da divulgação do conceito de pastagens sustentáveis. Alguns exemplos: Sérgio Henrique Guimarães e Jean Carlo Corrêa Figueira, do Instituto Centro de Vida – ICV (www.icv.org.br); Antônio Cláudio Horta Lisboa Barbosa (Tony), do Instituto Pro-Natura (www.pronatura.org.br); Peter May e Jean Dubois, da Rede Brasileira Agroflorestal – REBRAF (www.rebraf.org.br); Marília Carnhelutti, Rildo Eburnio e Heitor David Medeiros do Instituto Floresta (www.institutofloresta.org.br); Roberto Bianchi, da Cooperação Italiana e do “Programa Fogo” (www.embitalia.org.br); Suzanne B. Maia, da BRASUS – Brasil Sustentável (www.brasus.net) e o Profº Steve Vosti, da Universidade da Califórnia – USA ([email protected]). Agora, para representar a legião de produtores que acreditando no PRV, estão contribuindo com a expansão do Manejo Sustentável de Pastagens no Brasil, com a implantação projetos em suas propriedades cito o meu primeiro cliente, meu médico de confiança, maior incentivador e grande amigo, Dr. José Alberto Alves, de Cuiabá MT.

O que falta para ser definitivamente reconhecida a possibilidade de Pastagens Sustentáveis?

Falta disposição das grandes universidades e dos institutos oficiais de pesquisa de promover estudos e ensaios sobre os vários aspectos do Pastoreio Racional Voisin e de procurar também fora de seus muros, conhecimentos já comprovados pela evidência do sucesso em campo em inúmeros projetos de Pastoreio Voisin espalhados por todo o país.

As mais importantes universidades do país, tendo entre raras e honrosas exceções, a Universidade Federal de Santa Catarina e a Universidade de Passo Fundo RS, ignoraram solenemente os conhecimentos agregados na rica obra de André Voisin, não tendo por ela o merecido interesse. Com isto, inúmeras gerações de profissionais saíram e continuam saindo destas universidades, desconhecendo que o principal fator que concorre para a degradação ou para a produtividade e sustentabilidade de uma pastagem é o sistema de manejo utilizado.

Se os institutos de pesquisa tivessem, desde o início, considerado como deviam o Pastoreio Voisin, teriam dado ao país um presente de valor incalculável, que com certeza teria colocado a mais tempo a pecuária do Brasil em destaque mundial.

Sinto que já está acontecendo uma correção de rumos, por conta do crescente número de técnicos, professores e pesquisadores mais conscientes, que já consideram irreversível a marcha da agroecologia e veem nela a única garantia para a sustentabilidade da produção de alimentos e outros produtos agrícolas, sem pagar o alto preço da destruição do planeta. Sendo o Pastoreio Racional Voisin uma tecnologia agroecológica por excelência, fatalmente acabará tendo a atenção que merece, tornando possível a concretização do meu grande sonho!

(*) Jurandir Melado é engenheiro agrônomo, professor (aposentado) da UFMT, consultor e autor de livros sobre Manejo Sustentável de Pastagem

e-mail: [email protected]
Site: www.fazendaecologica.com.br

Guarapari – ES, 2006.

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